segunda-feira, 28 de agosto de 2017

O Conflito Israelo-Àrabe 6, 7, 8 e 9

O essencial para entender 
o conflito israelo-palestiniano
José Manuel Fernandes
Observador – 14 de Julho de 2014





 “A catástrofe”, ou “nakba” em árabe, é a forma como os palestinianos geralmente designam o grande êxodo de 1947-48, quando o ambiente de guerrilha que estalou no território e a posterior guerra da independência terminou com a vitória de Israel.

A guerra intestina entre as comunidades árabes e judaicas começou ainda durante o mandato britânico e prolongou-se até ao final de 1948, quando também acabou a primeira guerra israelo-árabe que se iniciou mal Israel declarou a independência, a 14 de Maio de 1948.

Estima-se que cerca de 700 mil palestinianos tenham deixado as suas casas durante este período, refugiando-se nos países vizinhos ou nos territórios que não foram ocupados pelo exército judeu durante a guerra da independência.

Quase 70 anos depois a historiografia ainda se divide sobre as razões fundamentais do êxodo. Do lado palestiniano fala-se de limpeza étnica deliberada. Do lado israelita de uma fuga que teve muitos motivos mas que foi incentivada pelos líderes palestinianos da época.

De uma forma geral sabe-se que a maioria dos árabes que vivam nas zonas que viriam a integrar o Estado de Israel fugiram de suas casas. Uns fizeram-no em pânico. Outros por não quererem viver sob as novas autoridades. Alguns foram forçados a partir pelo exército judaico. Tal como alguns também partiram respondendo apelos dos líderes árabes, nomeadamente na véspera da sua intervenção armada contra o Estado recém-proclamado.

Na mitologia da Nabka há um lugar central: Deir Yassin. Esta povoação, que tinha sido ocupada por soldados de uma brigada iraquiana, situada nos arredores de Jerusalém, foi atacada por unidades dos nacionalistas radicais do Irgun durante os combates pelo acesso à Cidade Santa. Dos combates resultaram mais de 100 mortos, incluindo mulheres e crianças que habitavam essa aldeia, mas este resultado – que foi apresentado de imediato como um massacre e que ocorreu na sequência de outros massacres, estes realizados por milícias palestinianas, sublinhe-se – foi noticiado com tal destaque que acentuou as reacções de pânico em algumas aldeias e vilas árabes, levando à fuga dos seus habitantes.

“A catástrofe” está assim na origem do problema dos refugiados, que mais de 60 anos passados ainda não encontrou solução.

Depois da guerra da independência, em 1948, os territórios da Palestina que não ficaram no Estado de Israel foram anexados pelo Egipto (Faixa de Gaza) e pela Jordânia (Margem Ocidental ou Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Cidade Velha).

Com a guerra dos Seis Dias tudo se alterou. Um exército israelita triunfante ocupou esses territórios, assim como a Península do Sinai (Egipto) e os Montes Golã (Síria). O acordo de paz de 1979 com o Egipto foi acompanhado pela devolução do Sinai (e pelo desmantelamento dos colonatos que, entretanto, aí tinham sido construídos). A desocupação dos Montes Golã nunca esteve verdadeiramente em cima da mesa: das suas alturas domina-se a Galileia, pelo que Israel considera que têm um valor estratégico fundamental para garantir a segurança dessa região.

Os territórios ocupados que restam podem dividir-se em três grupos: Faixa de GazaCisjordânia e Jerusalém Oriental. A sua situação é diversa. Em 2005 Israel retirou-se unilateralmente da Faixa de Gaza, entregando a sua gestão à Autoridade Palestiniana e desmantelando os colonatos que aí tinham sido construídos.

Grande parte da Cisjordânia também já está sob controle da Autoridade Palestiniana, mas aí Israel não só não desocupou os colonatos como tem vindo a expandi-los. Para se proteger da vaga de ataques suicidas nas suas cidades e da infiltração de terroristas, construiu também o “muro”, contestado sobretudo por consagrar a interpretação israelita das “linhas de fronteira” com territórios palestinianos.

Quanto a Jerusalém Oriental o seu estatuto é um dos temas mais complexos das negociações de paz. Por um lado, tanto Israel como a Autoridade Palestiniana pretendem fazer de Jerusalém a capital dos seus estados. Por outro lado nunca Israel abdicou de continuar a construir bairros novos nas áreas que, antes da guerra de 1967, estavam do lado árabe.


Depois de ter combatido e vencido a Guerra da Independência, em 1948, e a Guerra dos Seis Dias, em 1967, nas quais conseguiu derrotar vários exércitos árabes ao mesmo tempo – sobretudo Egipto, Jordânia e Síria, mas também Líbano e Iraque -, Israel enfrentou em 1973 uma terceira guerra convencional em que chegou a temer pela sua sobrevivência. Foi a guerra do Yom Kippur, assim conhecida por os exércitos árabes terem atacado durante a festa mais importante do calendário judaico.


Na frente do Sinai o exército egípcio logrou atravessar o canal do Suez em diversos pontos e avançar rapidamente, só sendo obrigado a recuar depois de um conjunto de audaciosas manobras chefiadas por Ariel Sharon. Esses avanços puderam ser apresentados aos egípcios, muito traumatizadas pela humilhação da derrota de 1967, como uma grande vitória, o que facilitou o caminho ao Presidente egípcio, Anwar El Sadat, e à sua aproximação a Israel.

Com mediação de Jimmy Carter, então Presidente dos Estados Unidos, Anwar El Sadat reuniu-se com o primeiro-ministro israelita Menachem Begin (que era o primeiro não-trabalhista a chegar à chefia do governo desde a independência) na residência de férias do presidente americano, em Camp David. Foi aí que em Setembro de 1978 os dois estadistas chegariam a acordo, firmando uma paz que lhes garantiria, semanas depois, o Prémio Nobel. Formalmente esses acordos foram assinados um pouco mais tarde, em Março de 1979.

Os acordos traduziram-se em dois documentos. Um regulava a relação entre o Egipto e Israel, consagrava a devolução da Península do Sinai e tem funcionado até hoje. Desde Sadat que o Egipto passou para a órbita dos Estados Unidos e mantém uma relação de paz fria com Israel. Suspenso da Liga Árabe, que retirou a sua sede do Cairo, ficou isolado entre os países da região durante grande parte da década de 1980 por causa deste acordo, o Egipto recuperou entretanto a sua posição e viu a Jordânia juntar-se, em 1994, ao grupo dos países que assinaram acordos com o Estado judaico.

O segundo documento pretendia regular a questão palestiniana e previa a retirada de Israel da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Nunca foi aplicado.

A audácia de Sadat acabaria contudo por lhe custar a vida: foi assassinado em 1981, durante uma parada militar, por extremistas que se opunham à paz com Israel.

Jerusalém é a Cidade Santa de três religiões monoteístas. Só esta constatação permite perceber os dilemas que o futuro da cidade coloca. Situada numa planalto a cerca de 700 metros de altitude, habitada por quase 900 mil almas, esta é uma das mais antigas cidades do mundo e uma das mais disputadas. É a cidade de Salomão que Nabucodonosor arrasou; a cidade de Herodes que os romanos conquistaram; a cidade pela qual os cruzados lutaram e que Saladino reconquistou; a cidade que os ingleses tomaram em 1917, que Adbullah el-Tell defendeu em 1948 e que Rabin conquistou em 1967.

Quando as Nações Unidas delinearam o seu plano de partilha da Palestina do mandato britânico, em 1947, Jerusalém deveria permanecer como uma entidade independente, sob jurisdição da comunidade internacional. Não foi isso que sucedeu: a parte ocidental da cidade ficou sob controle israelita e a metade oriental, mais toda a cidade velha e os seus inúmeros locais de culto, sob jurisdição jordana. De 1948 a 1967 esse controlo traduziu-se em enormes limitações de acesso aos seus locais sagrados de cristãos e, sobretudo, de judeus.

Desde a guerra dos Seis Dias que Jerusalém e a cidade velha estão sob controle de Israel, que entretanto transferiu para Jerusalém Ocidental todo o aparato de um Estado central, desde o Parlamento (Knesset) às instalações do diferentes ministérios. Em Jerusalém Ocidental situam-se também alguns dos mais importantes museus nacionais israelitas, como o Museu do Holocausto, Yad Vashem, assim como o cemitério onde estão sepultadas as principais figuras do jovem Estado.

A cidade continua muito dividida, existindo uma metade árabe e uma metade israelita que não se misturam, apenas se cruzam em locais como a Porta de Damasco.

Jerusalém - Porta de Damasco



Em Jerusalém os judeus mais ortodoxos tem uma expressão importante, alargando a sua influência a um complexo de bairros inteiros onde vivem de acordo com costumes que entram em contradição de difícil harmonização com a tradição mais laica dos pais fundadores do Estado judaico. Este elemento, juntamente com o peso histórico e toda a querela política, fazem de Jerusalém Ocidental, a metade judaica, uma cidade muito diferente, cultural e sociologicamente, de Telavive, por exemplo. Ao que não será estranho o facto de Jerusalém estar numa serra, a 800 m de altitude, e Telavive espraiar o seu hedonismo numa baía, junto ao mar.

Sem comentários:

Enviar um comentário