«Vinde e vede»
É tão forte e tão densa a
experiência de visitar os Lugares Santos, que há quem diga, que pouco importa o
modo como ali se vai. A minha, porém, diz-me o contrário.
Em boa verdade, cada um daqueles
Lugares é o que é e não deixa de o ser, sejam os visitantes peregrinos ou
turistas. Mas a questão é mesmo essa: o que está em causa não é o que se
visita, não são os Lugares… sou eu. E eu posso olhar a mesma realidade só com os
olhos ou também com o coração. As mesmas pedras, a mesma paisagem, enfim, o
mesmo Lugar pode ser agradável, interessante e mesmo historicamente significativo.
Ou, bem para lá dessa aparência, ser memória viva e tangível desse Outro que
veio ao meu encontro para trazer a boa-nova de que a vida não é a contagem finita
do meu tempo, mas antes aquela dádiva do Criador que permanece para lá do
tempo.
Uma coisa é olhar a realidade. Outra,
bem diferente, é descobrir o sinal que ela me revela e que me remete para uma
realidade maior. Uma coisa é o que eu vejo e descrevo, outra bem mais rica, é o
que aquilo me diz e como interpela a minha vida. Na Terra Santa, o turista
preocupa-se com a estética, com a forma e com a ambiência. O peregrino, deixa-se
tocar e comover diante do sinal da misericórdia de que aquela mesma realidade é
prova.
Passar ao lado deste significado
de cada Lugar é, para nós cristãos, um desperdício de graça. Este contraste
torna-se ainda mais gritante quando nem sequer a beleza está presente, quando
não nos é agradável o que vemos, mas é determinante o que ali experimentamos. Se
é deslumbrante a paisagem que se avista do cimo do Tabor, é desconcertante o
caudal magro e lamacento do Jordão a jusante do Mar de Tiberíades; se é
encantadora a simplicidade austera da Igreja da Multiplicação, é de desconforto
a primeira impressão da Basílica da Natividade, de aparência tão pouco “nossa”.
No entanto, poucos lugares no mundo haverá onde o nosso coração se pode
comover, como no estar silencioso diante do Lugar do Presépio ou como o tocar
aquelas águas barrentas com que o Baptista baptizou o próprio Cristo.
Creio pois firmemente
que não há outra maneira cristã de percorrer a Terra Santa que não seja a de o
fazer como peregrino. Ir de Lugar em Lugar com um coração mendicante, atento à
memória que os Evangelhos me guardam, e diante deles descobrir o sentido e o
alcance de cada gesto e de cada palavra do meu Senhor. A par do caminho que vou
fazendo, outro faço dentro de mim, percorrendo a minha vida, confrontando-a com
as propostas que Cristo fez, naquele tempo e naquela terra, e que me continua a
fazer no hoje da minha vida.
Peregrino é, pois, aquele que
percorre a Palestina com tensão e atenção, de coração aberto e dócil ao que o
Senhor lhe quer dizer na simples contemplação dos Lugares que foram seus e onde
escreveu a história da Salvação.
Mas esta certeza não nasce da minha
simples experiência várias vezes repetida. Aprendi o sentido de peregrinar,
antes de mais, com a Igreja, Santa e Mãe, ela própria peregrina sobre a Terra[1],
que caminha rumo ao destino que o Senhor traçou para ela e para todos aqueles
que, nela e com ela, atravessam o mundo. Aprendi depois com aqueles que o
Senhor me pôs no caminho para me conduzir na minha própria peregrinação: este meu
tempo de vida, num espaço determinado e pessoas concretas com quem condivido a
minha condição de vivente. Aprendi ainda com judeus e árabes que encontrei
naquele lugar, a terra que foi a d’Ele, descendentes do mesmo povo, sofredores
das mesmas dores, apaixonados pelo seu chão, adoradores do mesmo Deus.
Aprendi e continuo a aprender,
porque esta aprendizagem faz-se peregrinando. Mas sei também que só saberei o
que é ser peregrino no dia, que espero, em que peregrinar já não há-de fazer
sentido, no dia em que encontrar a Morada que procuro, o Descanso porque
anseio, a Água que me mata a sede, a Plenitude que, por fim, há-de serenar o
meu coração.
Bom é Aquele que me faz peregrino
e Se faz, Ele próprio, companhia do meu peregrinar.
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